segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Deus me livre!

A imprensa carioca bem que tentou, mas não conseguiu arrumar assunto para mais um capítulo na novela que se tornou a contratação de Márcio Careca pelo Vasco. Perguntaram ao vice-presidente de futebol do clube, Manoel Fontes, se é verdade que o Vasco, pra ter o jogador, vai mesmo brigar com o Barueri, time de Careca, na Justiça. O dirigente disse, em resposta, a única coisa que pode sair da boca de um homem de bem numa hora dessas: “Deus me livre”!

Enquanto o Vasco luta bravamente para convencer os repórteres do Rio a parar de perguntar por Márcio Careca, um de seus atletas, Madson, acha que o momento é oportuno para pedir aumento. Prometeram para o moleque, no começo do campeonato, que, se ele jogasse dez partidas como titular, receberia um adicional bacana, pra poder comprar um carro da hora e levar umas minas de Del Castilho pra dar rolê na Lagoa. Madson era reserva e não entrava nunca. Pois virou o “homem de confiança” (outra expressão bonita da crônica esportiva brasileira) de Tita, completou os dez jogos e, louquinho pra se jogar na night, foi cobrar o dinheiro. A diretoria do Vasco não disse nem que sim nem que não, e isso, vindo do Vasco, a gente já sabe o que significa... Significa que “Deus me livre”!

Já passou da hora de o Vasco copiar a organização do Flamengo. O Mengo, sim, sabe administrar orçamento, montar elenco, planejar temporada. Esta semana a diretoria apresentou, toda contentinha, o saldo desse período de negociações. A ida de Marcinho para algum lugar deserto no Oriente Médio não rendeu muito: R$ 750 mil. Já a venda de Souza ao Panathinaikos valeu R$ 4,75 milhões. Negocião. Em condições normais, a Justiça exigiria que o Flamengo pagasse para alguém levar o Souza, mas a diretoria rubro-negra encheu os gregos de caipirinha e, depois de algumas doses, os fanfarrões não só pagaram caro pelo Souza, como já estavam quase querendo também o Toró. Nada que se compare, contudo, aos R$ 13 milhões que o clube embolsou com a ida de Renato Augusto para o Bayer Leverkusen.

Sim: dezoito milhões e meio, somando tudo. Aí, o Flamengo, montado na grana, mostrou como é que se faz. Saiu às compras. Mas com cautela. O bom e barato, afinal, é uma receita que já rendeu frutos a muitos clubes. O Botafogo, por exemplo, foi até vice-campeão da Série B, usando essa estratégia.

Primeiro veio Eltinho, que estava no Cruzeiro, embora em toda a Grande BH ninguém soubesse disso. Baratinho. Duzentas merrecas. Fernando, do Mixto, mais desconhecido do que o clube em que estava, não veio assim tão fácil. Duzentas mil e quinhentas merrecas. Sambueza é argentino, estava no River, sabe das coisas. Não ia vir levar bomba de graça no Rio. Custou R$ 750 mil. Vandinho, do Avaí, parecia que ia dificultar. Afinal, é rodado, seus olhinhos sofridos já viram de um tudo nessa vida, sabe o que acontece quando a torcida pula o alambrado. Mas saiu por R$ 400 mil. Fernandão, quem quer que seja, para escapar de uns judeus que lhe cobravam juros em Israel, onde jogava, quase pagou para vir. Custou ao Flamengo R$ 50 mil. Como quem poupa tem, sobrou grana para o Flamengo fazer uma presença com a torcida e trazer um nome de peso, de arrebentar, de calar a boca do Eurico Miranda. Assim se chegou a Marcelinho Paraíba, ao preço de quase R$ 1,8 milhão. Finalmente, mostrando que não ligam pra dinheiro, os dirigentes flamenguistas esbanjaram R$ 1,2 milhão com Josiel, que era do Paraná e estava curtindo um calor nos Emirados Árabes, e R$ 240 mil com o chileno Gonzalo Fierro.

Valeu a pena garimpar esses talentos. O Flamengo fez uma baita economia e conseguiu formar o maior elenco do futebol brasileiro: entre latino-americanos milongueiros, cariocas legítimos e refugiados de Israel, 38 sujeitos na Gávea estragando roupa, deixando torneira pingando e combinando balada. Depois, lembrando que o Caio Júnior é do tipo que valoriza até o terceiro reserva e gosta de saber de um por um, antes do treino, como é que vai a família, a diretoria do Flamengo, pra poupar trabalho, dispensou quatro e, malandra que só, convenceu o Paraná Clube a ficar com eles. Sem pagar nada. Só na amizade mesmo.

Vandinho é seguramente o símbolo dessa leva de reforços flamenguistas. Sua contratação mostra como a diretoria rubro-negra estudou cada contratação e fez os negócios com cuidado, buscando sempre o melhor para o clube. Tudo começou com um contato entre o Flamengo e o Avaí (o Flamengo, claro, prima pela ética, e não é do tipo que já vai pondo minhoca na cabeça do jogador, sem nem falar com o clube em que o sujeito joga). O Avaí, ao saber do interesse do clube carioca por Vandinho, generosamente, compreendendo o momento difícil, a necessidade da equipe da Gávea, não ofereceu obstáculo: permitiu que os flamenguistas se entendessem logo com o atleta. Vandinho também não precisou de mais que alguns segundos para fechar. Já estava com a caneta na mão, pra assinar contrato, antes mesmo de o contrato ser redigido. Saiu de Santa Catarina direto para o Rio. Não inventou que tinha de resolver “problemas particulares”, visitar a mãe não sei onde nem nada. Chegou, apresentou-se e foi treinar. Como a torcida gosta. Como tem de ser. O preparador físico do Flamengo, Ronaldo Torres, contudo, estranhou, já no primeiro treino, que o jogador praticamente não saía do lugar. Não se apresentava. Não pedia a bola. Só sorria e batia palma pra passe errado. Mas eram os primeiros momentos. Clube novo. Clube grande. Podia ser só timidez, nervosismo, saudade do baião de dois da avó. Mas no segundo treino foi a mesma coisa. Ronaldo ficou de olho e, como o desempenho do atacante não melhorava, depois do jogo contra o Goiás, em que Vandinho foi substituído e saiu manquitolando, encostou o cara na parede. E a verdade, sempre tão bela, apareceu: “Ele já tinha um problema na coxa quando ainda estava no Avaí. Escondeu a contusão com medo de que a negociação pudesse ser cancelada”, revelou Torres. Vandinho, o sincero, explicou à imprensa que fez isso por amor, para realizar seu sonho de jogar no Flamengo.

O Flamengo é mesmo um sonho! É um dos raros clubes que tem a coragem de dispensar o exame médico pré-contratação, essa burocracia dos diabos, que só serve pra atrasar o registro do jogador na CBF. O Palmeiras também já fez muito isso, com sucesso, quando contratava Pedrinho e Jardel de olhos fechados, sem checar referências e confiando na palavra do atleta.

Vandinho, de qualquer modo, logo deve voltar, novinho em folha. E é importante que, nessa hora, o torcedor saiba perdoar o atleta. É importante apoiar o jogador e esse maravilhoso grupo de trinta e quatro guerreiros. A palavra de ordem tem de ser uma só. Um só discurso, um só coração. E a frase certa para unir Caio Júnior, elenco e torcedores nesse momento é aquela que os vascaínos conhecem melhor do que ninguém: “Deus me livre”!

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