segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Isto é Brasil!

Muita gente anda desorientada com os fracassos dos atletas olímpicos brasileiros que foram como favoritos e os sucessos dos que eram tidos como azarões. Bobagem esquentar a cabeça com isso: a função do Brasil nos Jogos não é e nunca foi ganhar medalhas – o Brasil vai às Olimpíadas em missão civilizadora, ensinar o mundo a viver em harmonia, praticando as grandes virtudes humanas. O brasileiro, afinal, é sempre referência em matéria de diplomacia, boa convivência, gentileza e cordialidade. E nisso, mais uma vez, vai dando show em Pequim.

Sandro Viana, corredor dos 200m rasos, é um que vem se destacando pelo uso generoso que faz das palavras e pela reverência que – sem um pingo de inveja – presta ao melhor do mundo em sua modalidade, o jamaicano Usain Bolt. Sandro começou não gostando da forma como Bolt comemorou a vitória e quebra do recorde mundial em outra prova, a dos 100m rasos, fazendo gracinha para as câmeras, tipo vocalista de reggae doidão. “É falta de espírito olímpico”, condenou. Conhecedor do espírito olímpico, também reprovou a atitude do jamaicano na eliminatória dos 200 metros do último domingo, quando, depois de abrir uma vantagem maior que a do Grêmio no Brasileirão, diminuiu o ritmo de propósito e deixou-se ultrapassar por Rondell Sorrillo, de Trinidad e Tobago, chegando feliz da vida em segundo lugar. “Não é certo o que ele fez. Acho que o atleta tem que correr pensando no tempo, sempre olhando para a linha de chegada, e não para o público”, explicou Sandro, ocupadíssimo com a própria vida, como se percebe. Por causa de Bolt, Sandro andou até estudando física, provando que ficou para trás o tempo dos atletas carentes e sem formação escolar, tipo Zequinha Barbosa. Durante uma entrevista, deu uma verdadeira aula, usando o jamaicano, que tanto admira, como exemplo: “A biomecânica mostra que para correr os 100m, um atleta, mesmo de ponta, precisa de mais de 45 passos. Ele deu 39. A ciência não bate. Ele está três níveis à frente do resto, o que é bem estranho”. Não sabendo dizer se o sucesso de Bolt é fruto da aplicação nos treinos ou da bondade divina, Sandro, sensato e avesso à maledicência, não quis buscar outras explicações: “Não estou falando se é doping ou não, cabe à Wada [World Anti-Doping Agency, Agência Mundial Antidoping] decidir”. Como é bonito a gente ver um competidor reconhecer o talento de outro! Isso é Brasil, hein!

Enquanto Sandro Viana revela sua admiração por Usain Bolt, Jadel Gregório, do salto triplo, mostra ao mundo outra notável virtude brasileira: o “tô nem aí”. Perguntado se não estava preocupado por se classificar para a final em nono lugar, o saltador deu uma resposta que, pelo estilo, lembra Pelé, e pelo conteúdo, lembra Zagallo: “Estou preocupado com o Jadel”.

É isso aí, Jadel! A gente não ganhou esse monte de medalha pra ficar lá pagando pau para os outros, não! Eles é que têm de se preocupar com a gente! Como é bonito a gente ver uma atleta que estuda os adversários e luta até o fim para superá-los! Isso é Brasil, hein!

A humildade de Jadel tem motivado muito as pessoas que trabalham com ele. Peter Stanley, seu técnico inglês, já teve com ele duas conversas em Pequim, de cinco segundos cada uma, nos intervalos das longas orientações que dá a seus pupilos britânicos. E Pedro de Toledo, o técnico brasileiro, fez as malas e voltou para casa antes das finais. Jadel diz que não tem treta, não tem nada. Pedrão teria voltado porque não fala inglês nem chinês e estava se sentindo muito sozinho em Pequim. Faz sentido. Se eu tivesse de conviver com o Jadel, também me sentiria sozinho.

Finalmente, o Brasil, está ensinando ao mundo que, quando não dá pra ganhar na boa, sempre resta o recurso ao tapetão. Os dirigentes brasileiros tentam melar nos bastidores a final do salto com vara feminino, em que uma atleta brasileira garante ter sido gravemente prejudicada pelo desaparecimento de uma de suas varas. A vencedora da prova, a russa Yelena Isinbayeva, bateu o recorde mundial, saltou 25 centímetros a mais que a segunda colocada, e o Brasil ainda está brigando por causa da vara perdida.

Era inevitável que isso acontecesse. É tanto esporte, e o Brasil leva tanta vara, que alguma hora alguém ia acabar perdendo uma. Mas é isso aí: a gente foi lá é pra mostrar como é que se leva a vida levando vara, e que a gente perde a vara, mas não perde o sorriso. A gente foi lá mostrar que isso é Brasil!

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