quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Olha aí o pagode!

Finalmente descobri alguém que encontrou motivo para se divertir em Pequim: Silvio Luiz, o interminável narrador da Bandeirantes.

É preciso admitir que Silvio, goste-se ou não dele, desenvolveu, após anos de pesquisa e treinamento, uma forma muito peculiar de narrar partidas de futebol. Ele não se enquadra em nenhum dos perfis clássicos de locutores esportivos que se encontram em atividade, pode observar.

É impossível imaginá-lo fazendo o tipo narrador torcedor, por exemplo, que é o que caracteriza as transmissões do Galvão Bueno. "Quem é que sobe?", "Sai que é tua, Júlio César", "Segura fulaninho, que eu quero ver" são frases que não soariam bem na boca de Silvio Luiz, a quem o resultado do jogo e a sorte dos atletas interessam tanto quanto o futuro de Carlos Alberto Parreira como treinador interessa ao torcedor brasileiro.

Silvio também não é da turma que descreve minuciosamente as ações em campo, estilo muito adotado no rádio, em que o narrador não pode parar de falar um segundo, e que tem talvez em José Silvério, da Rádio Bandeirantes, seu maior representante. Antes mesmo de o goleiro cobrar o tiro de meta, Silvério já está descrevendo com que expressão facial ele irá recolocar a bola em jogo, quais as principais opções de passe, quem se encontra em impedimento, quem está passando a mão em quem e com que intenção. Silvio Luiz, não. Absolutamente alheio ao que acontece no campo, prefere, em vez de dizer quem está com a bola e o que pretende fazer com ela, falar sobre qualquer outra coisa que esteja em seu campo de visão (uma coxinha com catupiri que chegou, do nada, na cabine de transmissão, por exemplo) ou simplesmente em sua sempre ativa imaginação. Só se manifesta a respeito do jogo segundos antes de a bola entrar na rede, quando profere, meio a contragosto, o lendário grito de "Olho no lance!". Eventualmente, no meio da partida, também diz um "olha aí o pagode", quando nada está acontecendo.

Ele também não tem nenhuma semelhança com o narrador mentiroso, aquele que aumenta descaradamente a importância do que está acontecendo, descrevendo qualquer cena como o maior espetáculo da terra e dando à mais sonolenta partida ares de final de Copa do Mundo. Como faz há anos, sem nenhum constrangimento, Luciano do Valle, que não passa dois minutos sem usar a palavra "espetacular" ou "extraordinário", isso quando não inventa de comparar a Gordon Banks o goleiro Magrão, do Sport, por causa de alguma bola que bateu nele acidentalmente e foi para escanteio. O prestígio desse tipo de narrador, muito popular no tempo da TV preto e branco com chuvisco e interferências no sinal, diminui na mesma proporção em que aumenta a qualidade da imagem dos televisores. Tende a desaparecer por completo na era da TV digital. Silvio Luiz nunca foi disso. Ele é do tipo que acha que a partida de futebol só tem graça para duas espécies de pessoas: as que jogam e as que vêem na arquibancada. Para quem está em casa, não resta outra coisa a fazer a não ser aproveitar os 90 minutos para pensar em alguma coisa edificante, coisa que Silvio realmente ajuda o telespectador a fazer, puxando, um atrás do outro, assuntos com os quais, sozinho, ninguém conseguiria nem sonhar.

Finalmente, Silvio Luiz não é besta para fazer o papel de narrador vexame. O vexame é aquele sujeito que, antes da partida, decora, um por um, os nomes dos jogadores da Coréia do Sul e da Ucrânia. Tudo para, durante a transmissão, trocá-los delirantemente, chamando Jesus de Genésio o tempo todo, até chegar ao ponto de, já completamente ensandecido, errar os nomes das equipes, do estádio, da cidade em que o jogo acontece, do torneio em disputa e dos repórteres da emissora. É o que acontece com Luiz Alfredo, da Rede TV!, que numa final da Copa da Uefa, certa vez, chamava o Sevilha ora de La Coruña, ora de Mallorca, ora de Valencia, mas nunca de Sevilha. Sílvio Luís jamais preocupou-se em saber o nome dos sujeitos em campo. Quando decora o nome de alguém, é porque o achou engraçadinho e para poder repeti-lo mesmo quando o sujeito não estiver com a bola, mesmo depois de ser substituído pelo técnico.

E foi exatamente isso o que aconteceu durante a partida entre Itália e Camarões, pelo torneio masculino de futebol dos Jogos Olímpicos. Silvio Luiz encantou-se com o defensor Bochetti (todos os jogadores italianos são defensores, independentemente da posição que finjam ocupar em campo). Bochetti é um nome que Silvio nunca permitiria passar despercebido pelo telespectador. Desde a entrada das equipes, ele estava de olho no italiano. E já insinuando umas piadinhas. Com a bola rolando, até tentou lançar outros temas, variar a conversa, mas o jogo, praticamente um pacto de não-agressão, convidava Sílvio a voltar suas atenções para Bochetti. Aí, para ajudar, Bochetti derrubou um camaronês na área da Itália: pênalti. O lance não deu em nada, que o camaronês, como bom camaronês, bateu com aquela seriedade própria do jogador africano, e o goleiro italiano, como bom goleiro italiano, pegou quase sem usar as mãos. Mas foi o suficiente para que Silvio, a partir dali, não fizesse outra coisa a não ser especular sobre a importância do Bochetti, quando Bochetti é bom, se Bochetti no time dos outros é gostoso, se o Brasil, num hipotético confronto com a Itália, deveria tomar cuidado com o Bochetti, e outros trocadilhos e achados lingüísticos de indescritível beleza. Nada mais apropriado para uma manhã de quarta-feira.

Nenhum comentário: